Data de postagem: Jun 03, 2018 10:20:40 PM
A consciência profunda ou subconsciente aparece como inconsciência para a consciência cotidiana, que pouco lhe nota a presença. Mas é daquela que emergem movimentos instintivos, raios de inspiração, intuições que a razão, depois, procura analisar e compreender. Essa consciência profunda, muito mais vasta que o eu a nós conhecido, contém muitas coisas que escapam à nossa psique normal, feita para uso da vida em nosso mundo relativo. Essa psique normal é como um olho menor, com que a alma percebe as coisas com visão microscópica, é uma função cerebral a serviço do corpo. Mas tudo é um meio ou instrumento, para que o espírito possa vir em contato com o ambiente terrestre, meio que abandonamos com a morte física, porque esse órgão cerebral não serve mais ao espírito, que lhe destilou os valores e absorveu o produto sintético.
Ora, esta menor consciência terrena, constituída por um funcionamento sensório periférico e por um funcionamento cerebral central, ligados por meio do sistema nervoso, só pode ser depositária dos resultados das experiências terrenas desta vida, isto é, das mais próximas e imediatas sínteses menores, tudo em função do desenvolvimento dos meios sensórios e cerebrais. Partindo do mundo virgem da realidade material exterior e do infinito pormenor do particular, esta é uma primeira destilação que forma a história da vida atual, a de que nos recordamos. E nesta vida é lógico que nada mais se possa recordar. Esta psique cotidiana é apta a conter sobretudo os produtos racionais da experiência. O espírito sabe muito mais, e por sua vez concentra em síntese maiores as menores sínteses cerebrais de cada vida realizadas pela psique cotidiana, transporta e funde a memória particular de cada vida, na memória de uma vida maior. Ora, esse espírito, na maior parte dos indivíduos do biótipo humano, está ainda adormecido no inconsciente, e portanto incapaz de recordar, especialmente quando está fechado num corpo físico, cujas funções superiores se limitam às atividades sensório-nervoso-cerebrais, sem saber subir evolutivamente mais acima.
É assim que cada vida forma, durante sua existência, uma memória sua, separada das precedentes, dando dessa forma a cada vida a sensação de ser a única. Os resultados de todas são registrados no espírito, mas estando este ainda involuído, adormecido no estado de inconsciência, a memória do passado permanece profundamente sepultada no inconsciente, que ainda não despertou e, se pode aparecer em relampejos nos estados hipnóticos ou mediúnicos, nas intuições ou na fase de desencarnação, perde-se essa memória de modo absoluto no período da vida no corpo, quando a vitalidade deste assume a predominância. Somente nos casos de seres muito evolvidos pode o espírito manter-se desperto mesmo no cárcere, debaixo do véu da vida física, com a força de lançar até ao plano cerebral jorros de intuição que revelem, com uma memória diferente da normal, lembranças da vida anterior.
Temos, pois, duas memórias, a cerebral, que só abarca a vida atual, e a espiritual, que abarca todas as vidas. O cérebro é um instrumento de registro só de impressões sensórias terrenas, e não vai além de sua coordenação racional. O cérebro, pois, não pode conter outra memória além daquela de sua vida, antes da qual ele não existia e depois da qual se desagrega. Para a grande maioria, a memória espiritual está sepultada no inconsciente, e então não pode oferecer nenhuma recordação, pois não sabe funcionar nesta vida. Esta, desenrolando-se no plano físico, só pode possuir uma memória cerebral, que nada pode saber do que existia antes da formação do cérebro, que é o órgão em que se baseia. Por isso, não se podem recordar em geral as vidas precedentes, e então se diz que elas não existiriam. Trata-se de dois centros, um interior ao outro de natureza e com funções diversas. Um, o menos profundo, é analítico-racional; o outro, mais profundo, é intuitivo-sintético. Representa o primeiro uma série de operações em curso, o segundo uma série de operações já executadas; o primeiro abarca a fase da aquisição experimental das qualidades, mediante o embate contra as resistências do ambiente externo terreno, o segundo abarca a fase do registro executado, e portanto da aquisição definitiva dessas qualidades, agora tornadas próprias da personalidade. As instintivas manifestações atuais do eu, ainda que a consciência central delas não guarde lembrança, são o resultado do passado em que foram preparadas e de que livremente foi lançada a semente.
É muito difícil descer e operar no subconsciente e demolir posições que se estabilizaram como qualidades adquiridas. Vemos as religiões terem em vão lutado durante milênios para modificar os instintos animais do homem, sem tê-lo conseguido. Tanto maior será essa dificuldade no caso individual, quanto mais profundamente essas qualidades se imprimiram e se fixaram no espírito do sujeito; – e tanto mais elas aí se fixaram, quanto mais foram repetidas, isto é, confirmadas pela prática da vida, que as aceitou e a elas se adaptou.
▬ Antonio Borges