Data de postagem: Jun 03, 2018 10:23:59 PM
Pode-se dizer que Freud, sem o querer, haja dirigido seus primeiros passos para levar a pesquisa psicológica positiva ao terreno da reencarnação. Fixando e aplicando o conceito do subconsciente, Freud afirmou e demonstrou a existência de uma atividade espiritual que se não pôde exaurir na vida atual, mesmo se ele não ultrapassou o limiar desta. Chegado a esse ponto em seu caminhar, ele se embrenha pela hereditariedade fisiológica, mas não nos dá disso as provas, nem podia no-las dar, de que a continuação desse caminho para trás não podia tomar outra direção, diferente da assinalada no cérebro, experiências e personalidades dos pais.
De qualquer modo, Freud inaugurou um sistema que, levado apenas um pouco mais para trás, leva-nos à vida precedente. Ora, é um fato que, se com a psicanálise, com a pesquisa para explicação dos traumas psíquicos e depois pelo desmantelo das posições psicológicas erradas, andamos para trás até a meninice e o nascimento, podem ainda existir traumas e posições tão profundamente congênitas que, para conhecê-las e corrigi-las, precisaria remontar até suas raízes, que são tão profundas, que só podem ser chamadas na vida anterior ao nascimento. Trata-se de casos de que, nem mesmo a vida dos pais ou avós nos mostra conter as causas, e que se apresentam como fato pessoal do sujeito, cujas origens não podem, pois, achar-se senão em sua vida individual antes do nascimento, desde que não sejam achadas na atual.
Há sinais característicos da personalidade, qualidades específicas inatas, feridas nervosas ou morais, de que a vida presente do sujeito, como a de seus pais ou avós não nos dão explicação. Em tais casos, uma verdadeira psicanálise, para ser completa, deveria remontar mais atrás nessa corrente de vida até aos tempos anteriores ao nascimento do sujeito. Mas que caminho escolher? O da hereditariedade psicológica, ou o da hereditariedade espiritual? A ciência ignora a segunda, mas a personalidade humana é filha do segundo tipo de hereditariedade. A personalidade resiste, em suas notas fundamentais que permanecem constantes, a todas as contínuas mudanças do corpo físico. Uma entidade que, fundamentalmente, fica idêntica a si mesma, não pode derivar de um organismo físico (dos pais), que não conhece essa estabilidade. O corpo se transforma sempre, o tipo do indivíduo permanece; e se este se transforma, suas mudanças são muito menores. O espírito permanece muito mais estável e independente enquanto atravessa a viagem da vida. Ora, Freud dirigiu suas pesquisas no terreno mesmo da personalidade, cujas atitudes não podem explicar-se cabalmente senão remontando a seu passado, segundo a teoria da reencarnação.
Poder-se-ia dizer que os pais dão a matéria prima, a carne, o corpo, com algumas de suas características, e que, nesta base material, se inocule a personalidade do filho, como um motorista em seu veículo. Então, à matéria prima, recebida dos pais, o novo eu dá sua marca própria, o dirigente adapta a si o seu veículo. A matéria prima, já elaborada pelos pais para eles mesmos, vem assim elaborada por outro eu para si mesmo. Poderá então ocorrer também que um habilíssimo dirigente (personalidade evoluída) se ache na contingência de ter que guiar um veículo primitivo, como órgãos defeituosos, que impedirá a manifestação dos talentos do sujeito. E também que um motorista sem capacidade se encontre a guiar um belo automóvel, que ele, em sua ignorância, estragará totalmente. Ainda que a carne seja do mesmo biótipo familiar, ela se encontrará desposada com diversos tipos de personalidade, no caso de cada um dos filhos, mas isto sempre com uma base de afinidade, sem a qual, fusão nenhuma pode formar-se. Se o corpo é mais forte que o espírito, vencerá a carne, filha, por herança fisiológica, dos pais, e a personalidade que a veste, será por ela rebocada, isto é, a máquina prevalecerá sobre o dirigente e o indivíduo irá à deriva, à mercê das leis animais. Mas se o espírito é o mais forte, este dominará e plasmará à sua imagem a carne, filha dos pais, imprimindo-lhe as características próprias.
A psicanálise, remontando para trás o caminho da vida, procura individuar os erros cometidos na fase que uma vida pode abranger, erros de desenvolvimento da personalidade, para individuá-los e depois corrigi-los, apresentando-os ao espírito em posição emborcada, para o endireitamento das formas psíquicas contorcidas, que assim se formaram. Em outros tempos, diz Freud: “aqui erramos o caminho. Voltemos atrás e refaçamo-lo com um sentido justo”. Trata-se de desfazer um procedimento errado, forçando a fazê-lo de novo, substituindo a antiga, com outra repetição habitudinária, com sacudidelas equivalentes e reequilibradoras em sentido contrário, recomeçando em outra direção a formação de alguns caracteres da personalidade. Tudo isto é lógico e certo. Mas, na prática, é bem difícil refazer uma vida revivendo-a de novo, corrigir erros devidos a lentas adaptações, alterar qualidades de formação tão longa, que se estende até as vidas precedentes. Freud não se deu conta de que, em alguns casos, se trata de intervir no determinismo de um destino que remonta a semeaduras remotas, das quais não podemos impedir hoje o desenvolvimento. Não se deu conta de que é inelutável a Lei, segundo a qual tudo se paga. Não há psicanálise que possa evitar o aparecimento dos efeitos, quando foram estabelecidas as causas.
▬ Antonio Borges